Visões e Trajetórias: os lugares de Portugal e Espanha na União Europeia

Ponte Rodo-Ferroviária de Valença. Imagem: Bert Kaufmann (CC BY-NC 2.0)

Esta publicação inclui-se no projeto conjunto do Real Instituto Elcano e do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) para a elaboração de um relatório sobre as relações bilaterais entre Portugal e Espanha. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade do seu autor e não vinculam as entidades promotoras do projeto.

Tema

Portugal e Espanha na União Europeia. A crise económica de 2008 e os seus impactos na moeda única: a crise do euro. As trajetórias de saída da crise dos países ibéricos.

Resumo

Portugal e Espanha foram arrastados pela crise do euro, tendo solicitado auxílio financeiro internacional, ainda que com intensidade distinta. Tendo terminado os programas de assistência ao mesmo tempo, Espanha conseguiria retomar o caminho do crescimento económico mais cedo que o vizinho ibérico, parecendo até encarreirada para obter assento entre as grandes potências europeias. Portugal seguiria um trajeto mais demorado, desde logo por ter sofrido um resgaste mais profundo, tendo também tido que superar o ceticismo dos parceiros do Eurogrupo e das instituições europeias pelas políticas adotadas no último biénio.

Análise

Trinta anos de integração europeia terão estreitado mais os laços de amizade entre Portugal e Espanha do que qualquer outro elemento político na relação secular das duas nações vizinhas. A aproximação política, económica e cultural dos países ibéricos será, porventura, um dos melhores resultados conseguidos pelos dois Estados na sequência da adesão ao projeto europeu.

Portugal e Espanha tiveram trajetórias similares nas primeiras décadas de integração, aproveitando os fundos comunitários para acelerar o processo de crescimento económico e de aproximação aos níveis de desenvolvimento europeus. Em termos políticos, os países ibéricos foram entusiastas dos processos de alargamento e aprofundamento por que passou a construção europeia na última trintena de anos. Ambos fizeram da entrada no chamado pelotão da frente da União Económica e Monetária (UEM) – com a adesão ao euro – um verdadeiro desígnio nacional. Todavia, o sucesso do projeto europeu conheceria contrariedades de vulto no ano de 2005, com a rejeição da chamada Constituição europeia nos referendos realizados em França e na Holanda. Curiosamente, Espanha foi o primeiro Estado-membro a organizar um referendo para a ratificação do acordo constitucional europeu, conseguindo um êxito assinalável de participantes, e a aprovação por larga maioria de votantes.

Portugal, com as suas renitências políticas atávicas, perderia outra oportunidade para realizar uma consulta popular sobre o processo de integração, ficando no diminuto grupo de países da União onde nunca foi conferido aos cidadãos o ensejo de votar sobre as questões europeias. Logo, Espanha conseguiria um grau de legitimação superior das escolhas políticas fundamentais que foi tomando ao longo do seu trajeto europeu, por comparação com o parceiro peninsular.

1. Crise do euro

O projeto europeu sofreria o maior abalo da sua história com a crise do euro, despoletada pela crise da dívida soberana grega em 2010. Pela primeira vez em décadas de existência, a União seria confrontada com uma voragem de episódios onde a ameaça repetida de colapso da moeda única ameaçava a continuidade do próprio processo de construção europeia.

A resposta à crise do euro, de forma parcelar e aos solavancos, teria fortes repercussões sobre todo o processo político da União. Na verdade, a gestão da crise do euro seria feita pelos Estados-membros, em prejuízo das instituições europeias. Estas ficariam secundarizadas no desempenho das funções que lhes competem no quadro da União, despoletando uma mutação no sistema de equilíbrio de poderes estabelecido pelos Tratados.

Por outro lado, a crise do euro abriria caminho para uma alteração profunda da relação de forças entre os diferentes Estados-membros. Para além de testar a consistência do tradicional eixo franco-alemão, que assegurava a condução do processo de integração, a crise do euro reduziria o papel desempenhado por algumas grandes potências. Desde logo, o Reino Unido, que se excluiria de qualquer protagonismo durante a crise com a escusa de não pertencer à moeda única. A Itália esteve sempre sob risco de contágio iminente da crise da dívida soberana com impactos maiores no funcionamento das suas instituições e foi constrangida à substituição da chefia de governo no apogeu da crise, com a nomeação de um executivo tecnocrático para apaziguar os mercados financeiros e os poderes hegemónicos na zona euro.

Com a direção da crise do euro deixada ao eixo franco-germânico, cedo a Alemanha emergiria como potência dominante na elaboração das respostas europeias para os problemas que atingiam os países da moeda única em dificuldade, determinando uma nova relação de forças no seio da União Europeia. Em consequência, a política de alianças dos Estados-membros seria condicionada pelo cenário resultante das mutações de poder operadas no quadro da União.

2. Assistência financeira

Portugal e Espanha seriam afetados pela crise do euro, desde o início. Na verdade, ambos conheceriam dificuldades acrescidas no recurso a financiamento externo, com uma subida acentuadas das taxas de juro sobre os empréstimos para emissão de dívida pública, embora com diferentes níveis de intensidade.

Os países ibéricos teriam, também, atitudes distintas perante a crise que atingia a periferia da zona euro. Enquanto Portugal foi vendo as taxas de juros nas emissões de dívida pública revelarem custos crescentes, sobretudo nos períodos dos resgates da Grécia e da Irlanda, Espanha conseguiria encontrar algum resguardo face aos ataques especulativos dos mercados, embora acusando debilidades no acesso ao financiamento externo, aparecendo numa segunda linha de exposição, a par com a Itália.

Do ponto de vista interno, a resposta dos países ibéricos procederia também em modo oposto. Em Portugal, o parlamento abriria caminho para a apresentação do pedido de assistência financeira internacional, ao recusar um pacote de medidas de contenção orçamental proposto pelo governo. De certo modo, a entrada da Troika (composta pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) foi vista por parte das instituições políticas como um remédio necessário para os problemas que atingiam o país.

Em contraposição, Espanha conseguiria resistir às adversidades resultantes do comportamento dos mercados internacionais, tendo rechaçado as pressões das instituições europeias e de outros Estados-membros para formular um pedido de assistência financeira internacional, não tendo essa matéria sido instrumentalizada como expediente político para a conquista do poder.

A resistência ao pedido de assistência financeira internacional – à semelhança do que aconteceria em Itália, pela mesma altura, e que havia sucedido antes na Irlanda – foi o elemento marcante da diferente resposta espanhola aos acontecimentos que marcaram a política europeia no período de maior tensão da longa crise do euro. As instituições espanholas mostraram ser capazes de encontrar um consenso nacional para rejeitar a imposição do financiamento externo pretendido pelo Banco Central Europeu e pela Alemanha1, com as pesadas consequências que tal implicaria em termos de perda de autonomia na condução da política económica.

Em sentido contrário, as instituições políticas portuguesas – desde logo, a Assembleia da República – favoreceram o pedido de auxílio financeiro externo, abrindo a porta à entrada triunfante de uma Troika que imporia um programa de austeridade severo e limitaria a soberania do país no triénio sucessivo.

Nos anos da Troika, Portugal observaria à risca os compromissos assumidos no Memorando de Entendimento celebrado com os credores, perfilando-se como dócil seguidor da nova relação de forças no seio da União2. O país pretendia voltar a ser tido como bom exemplo, desta feita, no grupo de países sob tutela externa, e atuou em sentido oposto aos desenvolvimentos ocorridos na Grécia. Pretendia, assim, persuadir os parceiros europeus, os agentes da Troika e os mercados financeiros que teria condições para operar uma saída limpa do programa de assistência.

Espanha, por sua vez, embora permanecendo na órbita do consenso dominante na zona euro, manteve uma postura menos febricitante no apoio à trajetória política imposta no seio da moeda única e desenvolveu um diálogo continuado com países que se encontravam em situação similar, desde logo, com Itália.

Contudo, o arrastar da crise do euro e da delicada situação do sector financeiro – que havia desempenhado um papel crucial no crescimento da bolha imobiliária da primeira década do século – de par com certo voluntarismo político de um novo governo – que pretendia assacar responsabilidades ao executivo precedente – levou ao pedido de ajuda externa pelas autoridades espanholas. Este permitiu a recapitalização do sector bancário, de valor correspondente a metade do montante da assistência financeira fornecida a Portugal3. Em todo o caso, Espanha conseguiria escapar ao regime implacável de supervisão da Troika, assim como ao estigma que tal envolvia,  recorrendo a um resgaste ligeiro, destinado a obter os meios financeiros necessários para a recuperação de bancos privados.

3. Pós-resgaste

Portugal e Espanha sairiam dos respetivos programas de resgaste em 2014, enfrentando eleições legislativas no ano sucessivo, de onde emanariam novos governos.

Em Portugal, de forma assaz surpreendente, o governo, apoiado pelo parlamento eleito no outono de 2015, quebrou o consenso sobre a política autoritária seguida ao longo da assistência da Troika e reverteu um conjunto de medidas emblemáticas do aperto financeiro, como os cortes nos salários do sector público, a diminuição de direitos sociais, o aumento de impostos ou a redução de feriados. Mau grado as baixas expectativas sobre a longevidade do suporte parlamentar, o governo conseguiria fazer prova de vida com a aprovação consecutiva de três orçamentos de Estado – que obteriam também o beneplácito das instituições europeias – e superar as diferentes adversidades com que se deparou. Destaque para o facto de o mais antigo partido político do país – que tem também maior número de militantes, mais influência sindical e maior património – ter votado pela primeira vez um programa de governo no quadro constitucional vigente, bem como aprovado uma lei geral do orçamento. Não será exagero afirmar que as eleições legislativas de 2015 abriram um novo ciclo de acordos político-parlamentares, alargando o leque de soluções governativas disponíveis no regime democrático português.

Mais espinhoso seria o caminho iniciado com as eleições legislativas espanholas, onde o decréscimo do voto nos partidos tradicionais de poder obstaria à formação de uma maioria parlamentar de suporte a gestação de novo governo. Espanha atravessaria um período de indefinição política ao longo do ano sucessivo – recordando de algum modo o final da primeira República em Itália – sendo necessário proceder a novas eleições legislativas para conseguir, por fim, aprovar a formação de um governo com o necessário sustento parlamentar.

As eleições legislativas nos países ibéricos produziriam, também, novidades no tocante ao relacionamento com os parceiros da União. Assim, o novo governo português seria acolhido, de início, com frieza por parte do mainstream europeu. A solução governativa causaria mesmo desconforto em algumas capitais da União, situação que seria superada a breve trecho, com a reiterada garantia de Portugal respeitar obrigações impostas pelas regras de governação económica da zona euro.

Em todo o caso, no âmbito da moeda única, Portugal exploraria a aproximação a outros países do sul – em particular França, Itália e Grécia – cujos governos se haviam afastado da ortodoxia económica dominante na zona euro. Em certo modo, Portugal encontrava nos executivos de algumas potências europeias – desde logo França, mas também Itália – o respaldo político que compensava o distanciamento do governo alemão.

Por seu turno, a formação do segundo governo de Mariano Rajoy colocaria Espanha como um dos países mais próximos da linha de rumo traçada pela Alemanha, num período caracterizado por incertezas crescentes a nível europeu. Ainda que Espanha pudesse tirar partido da relação preferencial com o governo da potência líder da zona euro, tal não terá impedido o Presidente Rajoy de participar nas cimeiras de países do sul da Europa, iniciadas pelo primeiro-ministro Alexis Tsípras para procurar atenuar o contraste das diferentes visões destes países sobre o futuro da moeda única.

No plano europeu, o ano de 2017 ficaria marcado por eleições nos países que determinam o rumo da União, França e Alemanha. Em França, os receios de um resultado que pusesse em causa o próprio processo de integração seriam superados pela eleição do Presidente Emmanuel Macron, o qual fez da União Europeia o pilar central da sua estratégia política. Por entre o ativismo político do seu semestre inaugural, destaque para o discurso sobre o futuro da União, na Sorbonne.

A comunicação do Presidente Macron, proferida no rescaldo das eleições alemãs, assinala a determinação de colocar de novo a França na liderança do projeto europeu, depois do declínio ocorrido no decurso dos mandatos presidenciais precedentes. Para além de pretender recuperar as rédeas da integração europeia, caídas em mãos alemãs desde o início da crise do euro, Macron veio colocar a tónica da visão gaulesa do futuro da União num patamar inédito para a diplomacia do seu país. Com efeito, Macron é o primeiro Presidente francês com uma visão federal da Europa, numa altura em que os próprios federalistas se haviam desvanecido nos meandros das instituições políticas.

Depois do Livro Branco da Comissão sobre o Futuro da União, e dos documentos de aprofundamento que se lhe seguiram, Macron relançou o debate sobre a reforma da União, num discurso marcado pela profusão de ideias, e pela ambição de uma Europa soberana4.

4. Português suave

O ano de dezassete trouxe inesperada confiança à economia e finanças portuguesas, pondo termo à penosa agonia verificada no longo período da Troika, bem como à suspeita dos parceiros europeus perante um governo resultante de um insólito acordo parlamentar. Passado o embate inicial, marcado pelo novo paradigma na condução da política económica e orçamental e pelas ameaças de aplicação de sanções por violação das regras europeias sobre o défice, assim como, o ceticismo das agências financeiras e os reiterados agoiros de novo resgate pelo ministro das finanças alemão, o ano cessante assinalaria um voltar de página para a economia nacional.

Com efeito, a Comissão Europeia confirmaria um défice orçamental de apenas 2% do PIB em 2016, melhor resultado obtido desde a instauração da democracia, em 1974. A redução do défice alcançada pela mão do ministro das finanças, Mário Centeno, permitiria que Portugal conseguisse, por fim, sair do chamado procedimento por défice excessivo5, onde se encontrava desde 2009. Em consequência, também as agências de notação financeira dariam testemunho positivo da situação económica do país, com a Standard & Poor’s a subir o rating da República em 15 de Setembro de 2017, permitindo a ambicionada retirada de Portugal do ‘lixo financeiro’, referente à notação atribuída por aquela empresa.

Os progressos em cadeia no plano das finanças públicas, ocorridos no ano em que o país celebrava o centenário das aparições de Fátima, de par com a melhoria registada na sua situação económica – desde logo, registando maior crescimento, e redução da taxa de desemprego – galvanizado por um boom turístico e nova bolha imobiliária, teriam reflexos nas taxas de juro das obrigações a dez anos da República, as quais cairiam de um nível superior a quatro por cento em final de Março, para um valor apenas inferior a dois por cento em início de Novembro, cotando inclusive abaixo das yields dos Estados Unidos da América6.

Será interessante notar que, em certo modo, o ministro Centeno, com o seu perfil discreto, conseguiria alcançar objetivos idênticos aos que o exuberante ministro das finanças grego Yanis Varoufakis se havia proposto no início de 2015, quando ousou defrontar a ortodoxia económica praticada pelo chamado Consenso de Bruxelas. Na verdade, ambos ministros defendiam uma política económica diferente dos inflexíveis parâmetros determinados pelo Eurogrupo, com o aval técnico da Comissão Europeia. Sem o brilho académico do antigo ministro helénico, nem o impacto global do seu combate no plano das ideias económicas, nem sequer a personalidade glamourosa do seu homólogo, Centeno conseguiria baixar o défice orçamental do país para níveis record e impulsionar o crescimento da economia, com uma política antagónica da desvalorização salarial preconizada nos modelos da Troika. Ao mesmo tempo, conquistava as graças dos mercados financeiros e das agências de notação. Sem fazer ondas no Eurogrupo, Centeno demonstrou existir alternativa à unicidade da política económica e orçamental ditada no seio da união monetária, cravando uma estocada letal na soberba tecnocrática dominante na governação da zona euro.

5. Reformar a zona euro?

Os problemas que enfrentam os países devedores da zona euro resultam, em boa medida, das fragilidades estruturais da união monetária, as quais também não foram debeladas pela chamada reforma da governação económica europeia. A este propósito, Joseph Stiglitz, no seu livro sobre o Euro, apontou um conjunto de medidas destinadas a melhorar o funcionamento da moeda única: mutualização da dívida; garantia comum dos depósitos bancários; existência de um orçamento com funções de estabilização; redução dos excedentes comerciais; alcance do mandato do Banco Central Europeu; renegociação da dívida pública.7 Sucede que todas estas matérias haviam sido aventadas ao longo da crise do euro, tendo deparado sempre com a oposição da Alemanha na base de um argumentário reiterado que alertava para o perigo de criar uma união de transferências, ou para situações de risco moral dos países refratários.

No Documento de Reflexão sobre o Aprofundamento da UEM 8, publicado na sequência do Livro Branco sobre o Futuro da Europa, a Comissão retoma boa parte das ideias exploradas por Stiglitz, reconhecendo as deficiências de conceção inicial da moeda única, recordando o compromisso de completar a UEM assumido na Declaração dos 60 Anos do Tratado de Roma, ao mesmo tempo que afirma ter chegado a altura de colocar o pragmatismo à frente dos dogmas (p.31), e a construção de pontes acima das desconfianças. No documento, a Comissão insta os Estados-membros a concluírem a união bancária, através da criação de um fundo único de resolução e de um sistema europeu de seguros de depósitos; abre portas à mutualização da dívida, com a emissão de um ativo seguro europeu (p.21-2); refere a necessidade de dotar a zona euro de uma função de estabilização macroeconómica (p.26); pugna pela criação de um Tesouro da zona euro – agregador de instrumentos existentes no seio da moeda única, como o mecanismo europeu de estabilidade – encabeçado por um ministro europeu das finanças (p.29).

Por seu turno, no discurso que proferiu sobre a Europa, Macron propõe a criação de um orçamento da zona euro, baseado em receitas próprias, e a criação de um ministro europeu das finanças.9 Macron defende mesmo a necessidade de harmonização europeia do imposto sobre os lucros das sociedades, e o lançamento de um imposto sobre as transações financeiras.

Se Macron conseguiu roubar o palco das atenções em sede de política europeia, em menos de um semestre, certo é que a chaceler alemã Angela Merkel permanece como fiel da balança das alterações que possam vir a ser acordadas em matéria de acabamento da zona euro. Tal como sublinha Jürgen Habermas no seu ensaio sobre o discurso do Presidente francês na Sorbonne, a Alemanha cerrou fileiras em torno do documento que o ministro das finanças alemão Wolfgang Schäuble apresentou no Eurogrupo, no qual se preconiza que a reforma da zona euro assente na evolução das funções do mecanismo europeu de estabilidade para um fundo monetário europeu, entidade que permanecerá um órgão tecnocrático – sem qualquer tipo controlo democrático – mantido na esfera intergovernamental, e aplicando condicionalidade reforçada na prestação de auxílio financeiro a países em dificuldade. Com efeito, não será de esperar que o longo parto da gestação do quarto governo Merkel termine com a formação de um executivo orientado para uma política europeia mais condescendente com os problemas da zona euro. De acordo com Habermas:

“It’s unlikely enough that a coalition government wracked by internal tension will be able to pull itself together to the degree necessary to modify the two parameters Angela Merkel established in the early days of the financial crisis: both the intergovernmentalism that granted Germany a leadership role in the European Council and the austerity policies that she, thanks to this role, imposed on the EU’s southern countries to the self-serving, outsized advantage of Germany. And it is even more unlikely that this chancellor, domestically weakened as she is, will refrain from step forward to make clear to her charming French partner that she will unfortunately be unable to apply herself to the reform vision he has put forth. Vision, after all, has never been her strong suit.” [Jürgen Habermas, 2017]10

Conclusão

Após um período económico delicado em virtude da crise do euro e um resgaste ligeiro, Espanha conseguiu reacender o dinamismo da sua economia e controlar as contas públicas. O retorno a uma situação de estabilidade governativa, depois de prolongado interregno, parecia abrir perspetivas para que Espanha dispusesse de vantagem comparativa às potências da zona euro, que enfrentavam desafios políticos consideráveis. Contudo, a forma como tem conduzido a questão das autonomias territoriais poderá prejudicar a perceção externa do país e fazer perigar o almejado protagonismo acrescido na política europeia, com o pretendido assento nas cimeiras dos países grandes, no lugar do Reino Unido.

Em termos económicos, Portugal terá tido um ano para recordar. Como se viu, conseguiu reverter a desconfiança que a alteração de paradigma de política económica e orçamental do atual governo havia causado na fase inicial. Na verdade, a excelente execução orçamental do ano transato teve um impacto de relevo junto dos governos europeus – mesmo dos mais céticos – das instituições europeias, da imprensa especializada e dos agentes financeiros. Sendo certo que o ministro Centeno, em estilo português suave, demonstrou aos homólogos do Eurogrupo, bem como aos responsáveis da Comissão Europeia que existe outro caminho para a condução da política económica, com alternativas que não se esgotam na obsessão austeritária. Em todo o caso, será importante recordar que a exorbitância da dívida pública – um legado da crise do euro, não reclamado – manterá o país à mercê da volatilidade dos mercados internacionais, fazendo perigar os progressos conseguidos nos últimos anos.

António Goucha Soares
Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), Universidade de Lisboa

Com o patrocínio:  


1 ‘Merkel me planteó si estaba dispuesto a pedir una línea de ayuda preventiva de 50.000 millones de euros al FMI; añadió que a Italia le correspondería otro valor de 85.000 millones de euros.’, Rodríguez Zapatero, José Luis (2013), El Dilema. 600 días de vértigo, Editorial Planeta, Barcelona, p.70.

2 O Memorando de Entendimento previa a adoção de quatrocentas medidas pelas autoridades portuguesas, tendo a taxa de execução de Portugal atingido um valor de 96%. Cfr. Tribunal de Contas Europeu, Assistência Financeira Prestada a Países em Dificuldade, Relatório Especial, nº18, 2016.

3 Fernandez Ordoñez, Miguel Ángel (2016), Economistas, Políticos y otros Animales, Península, Barcelona.

4 “Emmanuel Macron’s Europe. A Vision, Some ProposalsFoundation Robert Schuman, Policy Paper, nº 445, 2017.

5 Decisão do Conselho de Ministros da Economia e Finanças (Ecofin) de 16 de Junho de 2017.

6 10 Year Government-Bond Yields, 8 November 2017: Germany: 0.32%; Spain: 1.47%; Italy: 1.73%; Portugal: 1.97%; United States: 2.31% (acesso em 8-11-2017). No mesmo dia, Portugal colocou obrigações a dez anos no mercado primário, pagando a taxa mais baixa de sempre (yield média, 1.939%).

7 Stiglitz, Joseph E. (2016), O Euro. Como uma moeda única ameaça o futuro da Europa, Bertrand Editora, Lisboa, p. 317 e segs.

8 Comissão Europeia, Documento de Reflexão sobre o Aprofundamento da União Europeia, COM (2017) 291, de 31 de Maio de 2017.

9 ‘Emmanuel Macron’s Europe.  A Vision, Some Proposals’Foundation Robert Schuman, Policy Paper, nº445, 2017.

10 Habermas, Jürgen (2017), “What Macron Means for Europe: ‘How Much Will the Germans Have to Pay?’”Spiegel Online, 26 October.